Por Fábio Marques
Eram por volta de oito horas da noite quando o jornalista adentrou a
próspera indústria. Fora chamado pelo figurão da companhia para uma
conversa. De início, o jornalista relutou. Afinal, não fizera parte da
campanha política bancada pela indústria. E mais: na maldita campanha,
esteve do lado oposto ao eleito pelo industrial como o supra-sumo da
gerência pública, o detentor de todas as soluções para os problemas da
cidade do jornalista.
Após anunciar sua chegada, fechara-se com o
magnata no escritório anexo à sala de recepção. Apesar de tímido ao
extremo, o jornalista foi o primeiro a se pronunciar: - Me falaram que o
senhor queria ter uma conversa comigo. Fiquei ansioso e gostaria de
saber o por quê de tal convite. Algum problema em relação aos meus
escritos?
De maneira ríspida, o industrial o recebeu: - Por
favor, tome assento senhor Fúlvio Mássimo. Fuzilou antes de servir-se de
uma dose de uísque. E prosseguiu: - Sim, o fato de ter lhe chamado para
uma conversa tem a ver com alguma coisa que você escreve para os
jornais. Mas primeiro fique sabendo que admiro muito o traquejo que
possui com as palavras, o talento com que expõe suas opiniões e o estilo
“preto no branco” com que carrega suas redações.
O jornalista
agradeceu os elogios com um acanhado obrigado, ocasião em que o
industrial debruçou-se sobre sua mesa de trabalho, cafungou uma carreira
de cocaína que estava disposta sobre um espelho e, após pausado
silêncio, emendou: - Pois fique sabendo também seu filho-da-puta, que
tuas opiniões tem me causado estresse e problemas.
– Peço desculpas senhor, apenas exponho aquilo que acho que a população precisa ficar sabendo. Redimiu-se o jornalista.
- O problema é que você tem me causado prejuízos com a porra dos teus
artigos. Você procurou atrapalhar minha campanha e atrapalhar também
meus negócios. Aliás, sabes por que você está aqui e agora? Não? Então
vou te explicar. Você está aqui para ser avisado que está fora do
mercado. A partir de hoje você não escreve mais porra nenhuma em nenhum
site da cidade. E sabe por quê seu vagabundo? Porque compramos todos os
sites de notícias, compramos teus patrões políticos que você bajula,
compramos toda a cidade e vamos colocá-la contra você seu safado, seu
bêbado sem-vergonha...
O industrial já ia terminar seu festival de insultos, mas não teve tempo. Um balaço calibre 38 estourou-lhe os miolos.
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Com a mais ingênua convicção, o rapazinho se apresentou ao dono do site
de notícias que assim o recebeu: - Então o senhor quer ser jornalista. O
que o faz almejar tal profissão?
- Acredito que a verdade tem
quer ser falada e ouvida, doa a quem doer. Todas as pessoas tem que
conhecê-la para que não se conformem com as mentiras que lhes são
passadas pela hipocrisia de plantão.
- Muito bem. Estou gostando. E o que mais?
- A opinião acerca dos fatos, quando exercidas por gente com caráter podem influenciar pessoas e alterar o ritmo da história.
- Aprovo seu discurso. Parabéns. O problema é que sua maneira de
enxergar o mundo está para lá de atrasada. A verdade hoje é imposta pelo
mercado. Se não fosse este mercado, nem este site iria existir.
Portanto, meu garoto, vai procurar outra ocupação. Até logo.
Coluna Almanaque - CAUSOS E ESTÓRIAS DA IMPRENSA
Por Fábio Marques
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abril 13, 2017
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