Por Fábio Marques
Todos os dias o poeta passava pelo mercado e falava com todos os
tipos de gente. Donas de casa, comerciantes, mocinhas que iam para a
escola, bêbados, ladrões pés-de-chinelo, marginais de alto perigo,
noiados, políticos, fiscais de tributos e passantes em geral. E a todos
saudava com o seu bom dia. Bom dia minha senhora! Desejo que a senhora
capriche na comida. Bom dia mocinha! Um bom namoro pra você. Bom dia meu
amigo! Bons negócios. E prosseguia: uma boa trepada com seu amante, uma
boa traída no seu esposo, uma boa cachaçada, uma boa ressaca, um bom
assalto, um bom estupro, uma boa puxada de saco, um bom conchavo, um bom
desvio do dinheiro público.
Depois do baque emocional
pós-passagem pela linha que divide o lado de cá e o lado de lá,
descobriu o quanto os seres humanos são vulneráveis. A partir deste
primeiro quase encontro com a morte, a sensação de remorso pelos
problemas dos outros, de compaixão, de querer ser mais humilde, de
querer ter todos os amigos e chegados sempre pertinho para conversar
coisas da vida era coisa que passara a dar um valor ao qual nunca muito
ligara.
Em uma de suas Colunas, chegara a presentear os leitores
com reverências neo-classistas que de acordo com sua filosofia de vida,
deveriam ficar muito acima de pormenores que poderiam ser relevantes se
não passassem de pormenores. Anos e anos de batalha contra a ignorância
dos obtusos haviam lhe trazido dissabores bem amargos. Para o poeta, o
ato de pensar se consistia num exercício saudável, embora achasse penoso
para brucutus cheios de recalques, mas para quem tinha a honra da
obtenção da alcunha de livre-pensador.
De acordo com seu método
de vida, o estágio de reflexão não tinha nada a ver com conselhos de
pedagogia ginasial. O poeta era apenas um pobre escriba autodidata.
Aprendeu tudo aquilo sobre o que escrevia através da leitura dos bons
autores e do convívio com os idiotas de plantão. E como escriba, às
vezes, tinha potencial para ser gente da boa paz e ao mesmo tempo
assassino. Gente da boa paz quando através da escrita construía pontes
entre a tristeza e a alegria com um talento fora do comum. Se tornava
assassino quando com o fel de suas palavras lançava cartuchos de grosso
calibre contra a podridão e a nojeira dos patifes sem se preocupar com o
bispo, com o juiz, com o promotor ou mesmo com a cadeia.
Os
livros que abordam a questão dos códigos de ética nos dizem que devemos
tratar a todos como iguais, mas por outro lado a leitura do dia-a-dia
nos ensina que é errado tratar como iguais aqueles que não são nossos
iguais. Todavia, temos o papel, enquanto cidadãos, de procurar ao menos
viver em paz com os nossos iguais, que às vezes também são tão
desiguais. Romântico e sonhador, o poeta lutava para que toda a ânsia
por liberdade e justiça não virasse uma ânsia por alta conta bancária.
Como Karl Marx, achava que se todos tivessem uma vida digna, o mundo não
teria tantos problemas. Contrário às intrigas e tititis, valorizava o
amor e a amizade. Contrário às despeitas e combates, era a favor da paz e
da concórdia entre amigos e pessoas afins.
Que descanse em paz...
Apoio Cultural:
Coluna Almanaque: SONHOS, POESIAS E TRESVARIOS
Por Fábio Marques
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fevereiro 23, 2019
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