Por Fábio Marques
Como toda semana era obrigado a reportar artigos para os jornais, às vezes o poeta se via em apuros por não ter assunto ou por não conseguir pensar em nada. Alguns amigos já haviam lhe dito que o “feeling” de sua redação muito se parecia com o estilo dos jornalistas do antigo Pasquim dos anos 70. Tinha influências sim, mas não estava nem aí. Seus conceitos sobre política e filosofias de vida se acabavam na realidade nua e crua que tinha que encarar todos os dias. Portanto, o poeta mandava para a casa do c#r#lho a porra da influência pasquiniana.
Todo escritor é variável e costuma alternar textos polêmicos e textos triviais, instantes de loucura e lucidez, alegria e tristeza, melancolia e superação, solidão e agregação, anjos e demônios, êxtase e depressão, bloqueio e inspiração, sucesso e fracasso. O poeta quando escrevia, apenas buscava relatar o que lhe vinha à cabeça sobre os assuntos e nada mais.
Neste dia de blackout mental, um flashback dos tempos de primário resolveu assombrar-lhe: Tinha entre oito e dez anos de idade e sempre na saída da escola tinha um colega de classe que por não ter se saído bem na sabatina ou por não ir com sua cara, lhe fazia um desafio. Aí aparecia um “juiz” para fazer a mediação do confronto que estendia a mão entre ambos e dizia: “Quem for mais macho cospe aqui”. Claro que o poeta achava aquilo nojento e não cuspia. Deixava que o outro o fizesse, e no instante em que este o fazia, o mediador tirava a mão e a cuspida ia direto na sua cara. E o poeta não reagia. Enquanto isso os partícipes da “brincadeira” faziam zombarias, ao mesmo tempo em que seu oponente tomava coragem e lhe dava tapas e empurrões.
Passados os tempos de ginásio foi que percebeu que não reagia porque tinha medo de machucar o colega de classe. E por isso apenas falava: “Porra, para, acabou, não quero mais brincar”. Lógico que muitas vezes, por não suportar a humilhação, também investia sobre seu oponente e só conseguia sair de cima quando a turma do deixa-disso intervia. Mas este que fazia este ataque, jurava para si mesmo que não era ele. Ou seria? Como saber? Em suas piores crises de neurose chegava a se torturar: “Afinal, quem sou eu? Quem sou eu porra?”.
Outro dia num sábado à tarde um filho da p#ta aproveitou-se de um mal entendido para fazer uma sacanagem com o poeta. E só de sacanagem o poeta aceitou a sacanagem. Mas bem que poderia ter lhe dito: “Meu amigo, olha só a sacanagem. Você passa anos e anos fazendo o jogo dos ratos, fazendo de tudo para ser aceito na sociedade, esta mesma sociedade que me aceita e não te aceita, isto porque você é caguêta, tortura pessoas, recebe propinas, já teve amantes e esconde isto da mulher. Mas teu maior recalque, sabe qual é meu amigo? Todos sabem, tua mulher sabe e tu também sabe, não é seu filho da p#ta?”.
Mas na análise geral do conjunto, ainda possuía junto a si amigos que se ocupavam com a sua amizade, com a sua saúde e com seus problemas pessoais.
Foi nesta situação que o poeta acabou partindo de vez para o eterno talvez.
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