"Filho é filho e eu o amo. Faria tudo de novo". É este pensamento que
faz Franklin da Silva Gomes, de 48 anos, manter viva a esperança de o
mais breve possível retornar ao lar e reencontrar o pequeno Bryan
Leonardo, hoje com 4 anos. O segurança salvou o próprio filho de um fosso em chamas,
usado para incineração de resíduos, após o menino cair no buraco
acidentalmente. Franklin sofreu queimaduras nas pernas e nos pés, região
mais grave.
Franklin e Aline estão juntos há quase 3 meses no Hospital de Base, em
Porto Velho, por conta do tratamento nas queimaduras do segurança
O episódio, ainda marcante na memória dele e da esposa, a pedagoga
Aline Castro, de 29 anos, aconteceu há quase três meses em Guajará-Mirim
(RO), mesmo tempo que o segurança segue internado no Hospital de Base,
em Porto Velho, tratando das queimaduras que o salvamento lhe resultou. À
época, Bryan machucou uma das mãos, ficou internado, mas foi liberado uma semana depois do caso.
Apesar de debilitado pela quantidade de remédios que toma por dia –
Franklin perdeu mais de 10 quilos desde a internação – e com a fala
ainda fraca, o pai guarda consigo um grande trunfo: ter o filho vivo.
"Não me importaria de pular naquele fosso de novo por ele. É meu filho. Quero minha família reunida".
Por conta da rotina de viver em um hospital, remédios e constantes
procedimentos cirúrgicos, pai e filho não se veem desde o acidente.
Aline viu a criança pela última vez em Guajará, no mês de janeiro. No
último domingo (24), Bryan completou 4 anos e o aniversário foi longe
dos pais. Mas o que alivia a saudade do casal pelo menino é a internet.
Franklin e o filho conversam se veem por chamada de vídeo todos os dias.
"Fazemos chamada de vídeo todos os dias. Vemos o nosso menino, que tá
tão bem hoje. Depois da chamada, a gente fica pensativo, bate a saudade,
que é muito grande. Fizeram uma festinha fofa para ele no aniversário,
deram presentes. Só vimos fotos. Mas já já, sei que em breve, a família
vai estar junta novamente", disse Aline.
Pai herói
Após o ato de Franklin, Aline olha para ele e hoje o vê como um pai
herói. "São poucos os que fariam isso, poucos mesmo. Tem tanta gente por
aí que não liga para os filhos, que abandona, que mata, sabe. Meu
marido sempre foi um paizão. Sempre foram grudados. Tenho muito orgulho
dele", opinou.
A coragem de Franklin fez com que o menino não se ferisse ainda mais. Ele contou do pouco que se lembra daquela manhã de 30 de dezembro
de 2018. O segurança estava com um vizinho perto do local onde tudo
ocorreu e disse não ter visto quando Bryan correu para perto do fosso.
Revelou que se recorda do momento em que o menino caiu no buraco em
chamas e gritou por socorro.
"Nem pensei duas vezes. Entrei e tirei ele (Bryan)".
O buraco estava fechado apenas com um pedaço de telha. Franklin e Aline
acreditam que o filho tenha pisado na telha sem perceber que aquilo
tampava e se tratava de um fosso. Depois disso, após ser salva, a
criança correu até a mãe para alertar o que tinha acontecido com o pai,
que não conseguiu sair do buraco depois que tirou o menino de lá.
Pai salvou filho após criança cair em fosso em chama.
"Ele só falava que o papai caiu no buraco. Estava chegando em casa
quando aconteceu. Na hora não pensei direito e estava tudo incerto. Não
sabia o que tinha acontecido. O Bryan estava com a mãozinha queimada,
mas ele só falava do papai", lembrou a esposa do segurança.
"Daí
fui até onde o Franklin estava com o Bryan no colo e só vi as mãos dele
pra cima gritando 'Me tira daqui!'. Sem entender direito, tentei
puxá-lo, mas não consegui", relatou Aline.
Em um ato desesperado, a pedagoga começou a gritar o máximo que pôde
pelos vizinhos. Também sem compreender o que ocorria, alguns deles
correram e puxaram Franklin para fora do fosso. O segurança saiu do
buraco já desmaiado.
"Pensei que meu marido tinha morrido, pois ele estava todo preto das
chamas. Ele caiu desmaiado. Vi uma viatura da PM passando, daí eu gritei
e eles nos ajudaram. Os vizinhos ajudaram também chamando a
ambulância", continuou Aline.
Em poucos minutos, a ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência (Samu) chegou e seguiu com Franklin ao hospital de
Guajará-Mirim. A unidade do município faz apenas atendimentos de
primeiros socorros. Os mais graves são encaminhados para Porto Velho.
Foi o caso de Franklin.
Bryan também foi atendido em Guajará e a mãe o levou ao hospital na
viatura da Polícia Militar (PM) local. Aline contou que o menino só foi
chorar de dor na mão pela primeira vez já dentro da unidade. Mesmo
assim, ele ainda perguntava pelo pai. Franklin teve queimaduras nos
braços e nas pernas.
"Levei o Léo (Bryan) e o Franklin chegou na ambulância. Meu menino
começou a chorar no momento que começaram a limpeza nele. Já o Franklin
eu não imaginava que seria mais grave. Achei que iria tratar lá mesmo
mesmo, mas os médicos falaram que ele precisava ser encaminhado para a
capital o mais rápido possível. Foi quando me dei conta de que era
grave", se lembrou Aline.
Franklin começou a entender o que tinha acontecido muito tempo depois. "Quando acordei já estava no hospital", recordou.
Na transferência para Porto Velho, Aline só teve tempo de pegar algumas
roupas. O acidente aconteceu entre 9h e 10h. Pouco depois do meio dia, o
casal já estava a caminho do Hospital de Base, em Porto Velho, e chegou
por volta das 17h.
A corrida contra o tempo para salvar Franklin foi dolorosa. Os buracos
no caminho que faziam a ambulância balançar e a falta de água pioraram a
situação de Franklin.
"A viagem foi horrível. Franklin sofria com as dores que não cessavam.
Ele pedia muita água, mas não podia. Ele achava que ia morrer. A estrada
também não ajudava e o balanço da ambulância era ruim para ele e para
mim, que quase vomitei. Ele chegou em Porto Velho quase nas últimas. Foi
Deus", relembrou a esposa do segurança.
Hospital de Base como segunda casa
A pilha de roupas dobradas em um canto na parede do apartamento 88 que
Franklin está internado e Aline segue como acompanhante mostra que o
casal mantém uma rotina na unidade hospitalar graças ao longo tempo que
estão no local.
O dia a dia no quarto é movimentado. Franklin e Aline dividem o mesmo
espaço com dois homens: um acompanhante e um paciente que sofreu
queimaduras após levar um choque elétrico. O local conta com poucos
armários, um banheiro, duas camas e duas poltronas vermelhas, onde os
acompanhantes dormem.
O único que não se move com mais frequência é Franklin, já que as
queimaduras que teve por conta do acidente atingiram principalmente
parte das pernas e os pés do segurança. "Sentei uma vez e fui pegar um
pouco de sol. Mas não saio", contou Franklin.
Em meio a remédios e consultas de Franklin, Aline às vezes sai do
hospital para resolver problemas na rua ou comprar algo pessoal para o
marido. Mas o tempo dela é curto. "Tenho 20 minutos apenas lá fora. Não
posso demorar. Meu cunhado e minha irmã que resolvem as coisas pra gente
lá em Guajará. Eu deposito dinheiro e eles cuidam pra mim, assim como
estão cuidando do nosso Bryan", explicou a pedagoga.
Mesmo com naturalidade para falar da vivência no hospital, Aline diz
que cada dia é difícil. Porém, Franklin e ela são o apoio um do outro.
"Olha, as vezes dá muita vontade de voltar, de sair daqui. Mas vejo meu
marido nessa situação e lembro que ele precisa de mim. Eu estou bem. Ele
passou por muita coisa, sentiu muita dor. Então me lembro disso",
ressaltou a pedagoga.
"Sou as mãos e os pés dele aqui pra tudo. Ele precisa muito de mim. Então faço tudo por ele", disse Aline.
O apoio da mulher, quase que 24 horas por dia, fez Franklin prometer se
casar com ela oficialmente depois de saírem do hospital e ele melhorar o
quadro de saúde. O segurança reconhece o esforço da esposa nesses quase
três meses de "moradia" no hospital, que só sai do lado dele quando
precisa resolver algo do lado de fora ou se alimentar.
"Sempre esteve comigo. Vamos casar sim", disse Franklin, com um sorriso tímido no rosto. O casal está junto há seis anos.
Tratamento e futura alta
Nesse tempo internado, Franklin passou por mais de 20 procedimentos
cirúrgicos entre escarotomia, desbridamentos (limpeza das queimaduras),
curativos e enxertos.
As pernas já começaram a cicatrizar, mas, segundo o segurança, "não deu
para salvar os dedos dos dois pés. Mas pelo menos andar eu conseguirei,
pois não perdi o apoio", contou. A amputação total dos pés do segurança chegou a ser descartada na época do acidente.
Apesar disso, o casal garante que a parte mais difícil do tratamento já
passou: as dores. Os procedimentos que Franklin precisou fazer eram na
base de anestesia. Quando o efeito cessava, elas voltavam com tudo.
"Isso já passou, graças a Deus", relembrou Aline.
Bryan, Franklin e Aline não veem a hora de estarem juntos novamente.
Hoje, o que o casal mais espera é pela tão sonhada alta médica. Na
última segunda-feira (25), por exemplo, uma doutora entrou no quarto
informando que os exames do segurança andam melhorando a cada dia.
Com a possibilidade de alta, Franklin e Aline planejam voltar para
Guajará-Mirim. Mas o tratamento dele vai continuar, possivelmente com
retorno de 15 em 15 dias ao hospital. Além disso, o segurança precisará
fazer fisioterapia para "reaprender" a andar.
Apesar do tratamento prolongado e de não saber ainda como a vida vai
ficar pós internação – ele trabalhava como segurança há 15 anos – o que
mais importa hoje ao casal é chegar em casa e rever Bryan.
"Quero ver minha família que tá em Guajará, ver meu filho. Ter todos juntos novamente", disse Franklin.
Fonte: G1