Em troca de uma bolsa mensal de 1 mil reais por mês, noventa
e cinco famílias se comprometeram a evitar o desmatamento por 30 anos na
Reserva Extrativista do Rio Cautário, em Rondônia. Este foi o acordo assinado
no final de junho (29/06) por moradores dos municípios de Costa Marques e
Guajará-Mirim com a empresa Permian Global para a venda de crédito de carbono
vindos da manutenção da floresta preservada dentro da área protegida e
investimentos para a implementação do plano de manejo.
O acordo também prevê um investimento na reserva
extrativista de R$ 5.592 milhões/ano, que incluirá fortalecimento do plano de
manejo e implementação de programas como o monitoramento da biodiversidade, a
educação ambiental e a extensão rural e fomento econômico, além da criação de
uma brigada de incêndio local.
“O projeto é para beneficiar as pessoas da comunidade, na
medida em que elas conservem a área e até a melhorem, sem retirar delas
direitos que tenham. É o contrário. É para reforçar esse direito, ou seja,
fazer com que dentro das opções que tenham, elas exerçam as melhores escolhas,
como, por exemplo, manter o extrativismo de castanha, de látex e outros
produtos desse tipo. E não entrar, como em muitas unidades de conservação, em
um processo que é completamente destrutivo de cortar floresta e plantar pasto
para fazer pecuária”, explica Miguel Milano, diretor da Permian Brasil, braço
nacional da Permian Global. O fundo de investimentos inglês para operações com
REDD+ implementará o projeto na reserva. Milano também é um dos fundadores de
((o))eco e até recentemente ocupava uma cadeira no conselho de administração da
Associação O Eco, que mantém o site.
Os bastidores do projeto
Segundo o coordenador de Unidades de Conservação da
Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental (SEDAM), Denison Trindade, a
política que permite a venda de créditos de carbono vem sendo estudada pelo
governo de Rondônia desde 2017. Em 2018, a Política de Governança Climática e
Serviços Ambientais (PGSA) foi aprovada e instituído o Sistema de Governança
Climática e Serviços Ambientais. “Isso foi uma política nova, criada pelo
governo do estado de Rondônia, uma vez que nós chegamos nesse entendimento de
que as famílias que lá estão podem contratar, com a anuência do estado, essas
parcerias para desenvolvimento de projetos de REDD+ [Redução das Emissões por
Desmatamento e Degradação Florestal]. Essa política está subdividida em Unidade
de Conservação de Uso Sustentável, como a do Rio Cautário, e de Proteção
Integral. Porém, nas de Proteção Integral, como não há moradores tradicionais,
partimos para a licitação nos trâmites que a lei exige”, explica.
Onde há morador, o estado faz um chamamento público, as
empresas apresentam um projeto para a comunidade e ela decide qual é o melhor.
A comunidade também é livre para decidir não implementar projeto de REDD+ em
seu território.
Por se tratar de terras públicas com direito de uso pelas
famílias tradicionais, o contrato é assinado individualmente, entre
representante da família e empresa. O estado entra como supervisor dessa
negociação.
A escolha da Reserva Extrativista do Rio Cautário como
primeira área a receber esse tipo de projeto ocorreu por ser aquela com o maior
número de famílias residentes.
Para um projeto piloto que pretende durar três décadas, o
plano de manejo e o plano de utilização da reserva – ambos prontos, já
construídos pelo SEDAM com a participação da comunidade –, serão os instrumentos
de gestão do projeto.
“O plano de manejo tem como objetivo conciliar o bem estar e
o desenvolvimento das comunidades com a conservação da área. E o projeto visa
exatamente compensar e remunerar os habitantes da reserva extrativista pela
observância do que é definido ali pelos planos”, explica Fabio Olmos, diretor
da Permian Global na América Latina. “Finalmente se chegou a um plano em que a
gente resgata aquele discurso antigo de ‘vamos pagar para que os locais
mantenham a floresta em pé’. Sempre se teve esse discurso, mas raramente isso
aconteceu – tirando lá [o exemplo] no
Amazonas, da Fundação Amazonas Sustentável. Mas lá é mecanismo de doação. O que
a gente está fazendo não é isso: é utilizar mecanismos de mercado de carbono,
pegar o dinheiro da iniciativa privada para pagar esse projeto e ter essa
remuneração para a comunidade”, explica o biólogo, que também é colunista de
((o))eco.
O mecanismo de mercado, por enquanto, é o do mercado
voluntário, já que não há mercado formal de venda e compensação de créditos de
carbono no país. No mercado voluntário, embora funcione quase como no formal,
com metodologia para estimar quanto carbono está sendo retido, certificação e
tudo mais, esses créditos são gerados voluntariamente, por iniciativa da
instituição, empresa, ONGs ou até pessoas físicas, e não servem para abater
metas de redução impostas pelos países.
Mesmo nesse contexto sem regulamentação, a Permian Global já
possui um cliente de peso, a Volkswagen, que pretende compensar as emissões das
suas linhas de carros elétricos investindo em projetos de REDD+. Desde 2015,
quando estourou o Dieselgate, a montadora alemã está em processo de mudança de
suas políticas internas. Naquele ano, a Agência de Proteção Ambiental dos
Estados Unidos descobriu um software instalado nos veículos da montadora que
alterava os números de emissões de poluentes para baixo. A adulteração custou
bilhões de dólares para a empresa em multas, recalls e acordos judiciais. Na
Alemanha, o grupo Volkswagen ainda enfrenta ações coletivas de consumidores.
“Ainda que não exista uma forma de abater, é lógico que no
final tem créditos que são gerados e esses créditos serão formalmente
apresentados no sistema real, ou seja, não pode virar crédito ‘voando’ por aí
que depois vai virar uma dupla contagem. Para evitar tudo isso o sistema vai
ser inteiro formal, ainda que no final, de alguma maneira, se a legislação
brasileira não permitir, a Volkswagen Brasil possa dizer, ‘estou neutralizando
ainda que não tenha uma lei que obrigue a neutralização’. Não é uma doação, é
um projeto comercial dentro do melhor critério técnico legal possível”, explica
Milano.
A Volkswagen Brasil, em contato com ((o))eco via assessoria
de imprensa, afirmou que está em parceria com a Permian Global e que a empresa
quer investir em projetos de compensação de emissões de gás carbônico aqui no
Brasil, mas não quis confirmar se o projeto de compensação em questão era a do
Rio Cautário.
Rondônia quer ampliar experiência
O estado de Rondônia já está com os estudos prontos para a
licitação de novas unidades de conservação para projetos REDD+. O Parque
Estadual Guajará-mirim e a Estação Ecológica Samuel ainda precisam passar pela
assembleia legislativa antes de iniciar o processo. Também está nos planos o
chamamento público para a Reserva Extrativista Pacaás Novos, no município de
Guajará-mirim.
“O principal objetivo do estado hoje é promover a
sustentabilidade das unidades de conservação. A gente entende que projeto de
REDD, projeto de agroindústria, dentro de unidades de conservação, vai gerar
ativos que possam sustentar as unidades de conservação. Não só essas, mas as
outras que fazem parte do rol de áreas protegidas do estado de Rondônia”,
explica Denison Trindade, coordenador da SEDAM.
Rondônia possui 38 Unidades de Conservação sob seus
cuidados. Com o projeto de REDD na Resex do Reserva Extrativista do Rio
Cautário, pretende receber R$ 1.116 milhão/ano que vão para o apoio de todo o
Sistema Estadual de Unidades de Conservação. “São unidades que muitas vezes não
tem potencial para projetos de carbono, porém conseguimos garantir que terão
recurso para sua gestão através desse projeto”, comemora.
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