Por Fábio Marques
Aquele ano não havia sido dos melhores para o poeta. Como tinha o costume de rir de suas próprias desgraças, pelo trânsito que possuía na estrada da dor, achava que a miséria humana já fazia parte de sua vivência. Aos amigos que, sabendo de sua situação, deram aquele empurrão, agradeceu-os um por um. Muitas vezes vale a pena experimentar a falta de gratidão até encontrar seres humanos que sejam gratos de verdade.
Mas aquele dia era especial e queria compartir com seus leitores. Ao sentar-se frente ao notebook para escrever mais uma crônica, começou a destrinchar um apanhado de tudo o que fora vivido nos seus mais de 50 anos de passagem por este planeta. Iniciou a epístola pedindo perdão à sua família pelo fato de não ter vencido na vida e por ter sido incapaz de ganhar dinheiro. Disse que gostaria de poder abraçar seus filhos e dizer que estava sofrendo por eles. “Como gostaria de abraçá-los e pedir-lhes perdão pelos fracassos de minhas empreitadas nesta vida, ou ao menos lhes colocar a par do inútil que foram minhas batalhas, apesar da certeza das porradas do dia-a-dia. Mas nem por isso tenho deixado de batalhar, meus para sempre eternos meninos”, digitou quase às lágrimas.
Sub-burguês traído pelo contrato social, o poeta possuía todos os vícios e defeitos da burguesia, uma vez que todas as escolhas que lhe ofereciam eram escolhas burguesas. E do jeito que a vida queria ia seguindo aos trancos e barrancos, errando aqui, quebrando a cara acolá, à mercê das rasteiras, puxadas de tapetes, traições, da inveja e da despeita alheia, mas sempre tocando em frente. Aos soluços batucou no teclado do Multilaser sem conseguir concluir: “Para vocês meus filhos, hoje eu diria o seguinte: Gostaria de ter sido aquele paizão amigo que poderia... Olha, que poderia... Sei lá, cacete... O pai que eu deveria ter sido, ora!”.
Quase no término da redação recordou que há alguns anos ao repreender um amigo que resolvera virar hippie depois dos 40 anos, recebeu uma lição de moral que nunca mais esqueceu: “Quem é você para falar da minha maconha com este copo de cerveja na mão seu falso moralista?”. Naquele instante sacara que havia dado uma ratada. O amigo lhe chamara de hipócrita e estava com toda razão.
Uma vez posta nua e crua a verdade, escancarou-se o problema da equação: um oceano de remorsos submergiu-lhe à consciência. Começou a desenhar seu autorretrato: Arrogante? Era sim. Boçal? Também. E metido à besta, vaidoso, birrento, ansioso, imoral, antissocial, mal-educado, pessimista, mesquinho e chegado numa cerveja quase que diária, bêbado. Quando se deparou com a fotografia, se assombrou com a imagem. Estava fudido! Como é que iria superar este exército maligno que residia em sua alma?
Estava pagando pelos seus pecados. Tudo o que havia tentado na vida se resultou em fracassos. Mas ainda assim achava que estes fracassos eram suas vitórias, uma vez que iria detestar estar no lugar daqueles que o venceram.
Descanse em paz...
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